
METANFETAMINAS
A semelhança estrutural entre a metanfetamina e as catecolaminas, essencialmente a dopamina, está na base dos mecanismos de toxicidade. Esta semelhança, permite a entrada de metanfetamina pelo local de entrada da dopamina, levando à libertação desta das vesículas sinápticas para o citoplasma e, por transporte reverso, para a fenda sináptica.
A auto oxidação da dopamina leva à formação de radicais livres de oxigénio (ROS), como radicais superóxido, peróxido de hidrogénio e radicais hidroxilo. Desta forma, ocorre stress oxidativo, disfunção mitocondrial e dano peroxidativo das membranas pré-sinápticas. Todos estes fatores influenciam os principais órgãos do organismo humano e levam a danos, muitas vezes, irreversíveis.[1]
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Neurotoxicidade
Stress oxidativo [3,4]
O stress oxidativo subsequente ao uso de metanfetaminas ocorre por diversos mecanismos. O aumento citoplasmático e extracelular de monoaminas, nomeadamente dopamina, contribuem para um significativo dano oxidativo nos terminais nervosos. A produção de ROS deve-se essencialmente à oxidação das monoaminas a quinonas e ao seu metabolismo pela monoamina oxidase (MAO). Este processo leva à formação de H2O2, entre outros radicais, que através da reação de Fenton originam radicais hidroxilo extremamente reativos e, por isso, tóxicos.
Para além da formação de ROS, há também formação de espécies reativas de azoto (como já mencionado, devido ao aumento de NO sintetase). Estas espécies levam ao stress oxidativo que é posteriormente responsável pela peroxidação lipídica e degradação proteica, justificando assim o seu papel neurotóxico.
Outra consequência do stress oxidativo é o dano mitocondrial. Dado que a exposição à metanfetamina leva a uma enorme exigência energética e metabólica, qualquer disfunção mitocondrial pode ser crítica para a viabilidade celular. Os principais locais de formação de ROS na mitocôndria já identificados são o complexo I e II da cadeia respiratória de eletrões. Outra fonte de radicais livres é a MAO, que se encontra na membrana externa da mitocôndria. As principais consequências do dano mitocondrial são a ativação de cascatas pro-apoptóticas e quebra de várias proteínas estruturais.
Hipertermia [5,6]
Inflamação [5]
A inflamação que ocorre nos terminais nervosos dopaminérgicos e serotoninérgicos é outro fenómeno que explica a neurotoxicidade da metanfetamina. Neste processo, a ativação excessiva de células microgliais que ocorre aquando da exposição à metanfetamina parece ser determinante. No entanto, o mecanismo pelo qual esta ativação leva a dano neurológico ainda não foi bem esclarecido. Contudo, as citocinas produzidas durante a ativação microglial estimula a neurotransmissão glutaminérgica, promovendo a excitotoxicidade. Para além disso, verifica-se um aumento da expressão de citocinas como IL-1beta, IL-6 e TNF-alfa, que promovem a neuroinflamação.
Dano celular em órgãos periféricos [5]
A toxicidade da metanfetamina noutros sistemas de órgãos vai também ser determinante na neurotoxicidade indireta da metanfetamina. Por exemplo, a sua hepatotoxicidade leva a um aumento dos níveis de amónia no roganismo. Este composto, por si só, é extremamente tóxico para o nossos sistema nervoso por mecanismos como excitotoxicidade, dano oxidativo e comprometimento metabólico.
Sistema endocanabinóide [5]
Os canabinóides são moléculas secretadas aquando da ativação neuronal e têm um importante papel na regulação da inflamação e neurotransmissão.
Está já descrito que a ativação dos receptores CB1 produzem um aumento de dopamina extracelular. Recentemente, foi demonstrado que bloquear este receptor tem como consequência a diminuição dos défices provocados pelo excessso de dopamina extracelular. Desta forma, a neurotoxicidade da metanfetamina é potenciada.
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Cardiotoxicidade [4,7]
Tal como acontece com a cocaína, a metanfetamina induz taquicardia e hipertensão, o que leva a um aumento da necessidade cardíaca de oxigénio. Para além disso, promove vaso espasmo que dificulta o suprimento de oxigénio ao tecido cardíaco. Desta forma, vai promover disfunção mitocondrial provocada pela diminuição de ATP e leva à ocorrência de enfartes do miocárdio, arritmias, cardiomiopatias e hipertrofia ventricular
Apesar do controlo da homeostasia cardíaca ser feito maioritariamente pelo sistema nervoso autónomo, as catecolaminas têm a capacidade de interferir nos recetores α e β adrenérgicos. Estando os últimos ligados à regulação cardíaca. Assim, a metanfetamina ao interferir com a recaptação de noradrenalina, vai ativar os recetores adrenérgicos e provocar alterações cardiovasculares. Por outro lado, também o stress oxidativo leva à auto oxidação das catecolaminas (formação de catecolamina-o-quinona e aminocromo) e, consequentemente, a cardiotoxicidade.
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Toxicidade respiratória [8,9]
Até à data não existe relação direta entre o consumo de metanfetamina e problemas do sistema respiratório. No entanto, dependendo da via da administração, pode verificar-se fibrose do tecido pulmonar ou mesmo hipertensão pulmonar. Este tipo de toxicidade é verificada maioritariamente em consumidores crónicos por via intravenosa ou intranasal.
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Toxicidade dermatológica [4,9]
A nível dermatológico destacam-se a secura extrema das mucosas e a cor pálida da pele. Muitas das vezes ocorre a presença de pequenas feridas auto infligidas pelos dependentes da droga. Em casos mais graves, verifica-se a ulceração e a formação de abcessos. Na maior parte das vezes, estes problemas devem-se a infeções secundárias pela fraca alimentação ou até pela partilha de seringas contaminadas.
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Toxicidade na gravidez [2,10]
O consumo de metanfetaminas durante a gestação, coloca em risco quer a gravidez da mãe quer o desenvolvimento do feto. O abuso de metanfetaminas está também associado a morte materna, parto prematuro, insuficiência placentária e hemorragias. Após o nascimento, estes bebés geralmente apresentam tamanho reduzido, letargia e anomalias cerebrais e cardíacas. Apesar de se ter verificado a capacidade das metanfetaminas provocarem teratrogenicidade em ratos, ainda não foi comprovado em humanos este efeito.
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Toxicidade dentária [2]
A dentição é uma das áreas visivelmente mais afetadas. É conhecida como “meth mouth” e caracteriza-se por uma condição em que ocorre a queda e perda dos dentes. As metanfetaminas induzem esta situação através de vários mecanismos incluindo a xerostomia devido à sobre estimulação do sistema nervoso simpático e devido ao ranger dos dentes que resulta em múltiplas cáries dentárias. De modo a evitar a secura da boca, os consumidores desta droga ingerem elevadas quantidades de refrigerantes as quais possuem igualmente elevadas quantidades de açúcar e, por outro lado, não possuem higiene oral durante os longos períodos de abuso da droga. Estudos indicam que esta situação não está diretamente relacionada com o consumo de metanfetaminas, mas sim devido a fatores comuns ao abuso de outras substâncias como a falta de higiene oral e a malnutrição.
BIBLIOGRAFIA
[1] Krasnova, I., Cadet, J. “Methamphetamine toxicity and messengers of death”. BRR. 2009. Vol. 60. Pp: 379-407.
[2] Vearrier, David, et al. "Methamphetamine: history, pathophysiology, adverse health effects, current trends, and hazards associated with the clandestine manufacture of methamphetamine." Disease-a-Month 58.2 (2012): 38-89.
[3] Halpin, L.; Collins, S.; Yamamoto, B.(2013) Neurotoxicity of methamphetamine and 3,4-methylenedioxymethamphetamine. Life Sciences. 97(2014), 37–44
[4] Carvalho, M. et al. “Toxicity of amphetamines: an update”. Arch. Toxicol. 2012. Vol. 86. Pp: 1167-1231
[5] Leon Brown, P.; et al. (2003) Brain Hyperthermia Is Induced by Methamphetamine and Exacerbated by Social Interaction. The Journal of Neuroscience. 23(9), 3924 –3929
[6] http://ajpregu.physiology.org/content/306/8/R552 (acedido em 24/05/2014)
[7] Hawley, L. et al. “Cardiac complications of adult methamphetamine exposures”. JEM. 2013. Vol. 45; No. 6. Pp: 821-827
[8] http://www.inchem.org/documents/pims/pharm/pim334.htm#PartTitle:6. KINETICS (consultado em 18/5/2014)
[9] Albertson, T., Derlet, R. ,VanHoozen, B. “Methamphetamine and the expanding complications of amphetamines”. West J Med. 1999. Vol. 170. Pp: 214-219.
[10] http://www.drugabuse.gov/publications/drugfacts/methamphetamine (consultado em 14/05/2014)
Figura 1: Halpin, L.; Collins, S.; Yamamoto, B.(2013) Neurotoxicity of methamphetamine and 3,4-methylenedioxymethamphetamine. Life Sciences. 97(2014), 37–44
Figura 2:http://www.english.als-charite.de/VM/ALS/Cause/Glutamatehypothesis/tabid/1248/language/en-US/Default.aspx (consultado em 23/05/2014)
Figura 3: http://melhorbiologia.blogspot.pt/2013/05/a-usina-energetica-biologica.html (consultado em 23/05/2014)
Figura 4: http://www.icb.ufrj.br/Revista-Bio-ICB/Divulgacao-Cientifica-427 (consultado em 23/05/2014)
Figura 5: http://blogs.citypages.com/blotter/2012/05/stillwater_couples_pock-faced_cross-eyed_mugshots_double_as_anti-meth_advertising_photos.php (consultado em 23/05/2014)
Figura 6: http://www.oralanswers.com/meth-mouth-the-effects-of-methamphetamine-on-your-teeth/ (23/05/2014)
Toxicidade

Excitotoxicidade [3,4]
Caracteriza-se pela libertação excessiva de glutamato (principal neurotransmissor excitatório) no hipocampo e no estriado. Esta secreção excessiva de glutamanto é responsável pelo aumento de Ca2+ intracelular devido à ativação de recetores ionotrópicos (iGluR, como o receptor N-metill-D-aspartato (NMDA)) e metabotrópicos (mGluR). O Ca2+ posteriormente ativa cinases, lipases, proteases e outras como a NO sintetase, que causam a clivagem de proteínas do citoesqueleto, bem como ativação de vias apoptóticas e produção de radicais livres, resultando em danos celulares graves - Fig.2

A neurotoxicidade da metanfetamina tem consequências graves e muitas vezes fatais nos indivíduos consumidores desta droga recreativa. Estas vão desde o declínio cognitivo, distúrbios neuropsiquiátricos, convulsões a hemorragia intracraniana e AVC isquémico.[2] A neurotoxicidade traduz-se em danos dos termianis nervosos, neste caso monoaminérgicos, estando actualmente diversos mecanismos de neurotoxicidade já descritos:

Fig. 2 - Mecanismo de excitotoxicidade
Fig. 1 - Vários mecanismos de neurotoxicidade (Adaptado )
Fig. 3 - Cadeia transportadora de electrões da mitocondria

A metanfetamina leva ao aumento da temperatura corporal – hipertermia- que tem sido associado à sua neurotoxicidade e mortalidade. Está descrito que esta hipertermia causa depleção de enzimas, como as hidrolases da dopamina e da tirosina bem como potencia o stress oxidativo. Recentemente, foi demonstrado que a metanfetamina induz hipertemia cerebral de forma dependente da dose, indicando que a ativação neurológica que se traduz pela extensa libertação de vários neurotransmissores (glutamato e catecolaminas) está na origem deste fenómeno fatal.

Fig. 6 - "Meth mouth"

Fig. 5 - Afeções dermatológicas
Fig. 4 - Hipertermia